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não quis

morar naquela

tarde de raiva e

preguiça canina

nem passar mais

tempo deitado no colchão de vênus


aquele dia durou

o momento certo pra não

se romantizar


mas o que se repete

não é nem

o vinho rosé servido em copos

nem as mordidas da pagu

nem sua vontade de me ver cantar


o que se repete é

que quando você

me criticava por nunca te deixar

colocar músicas

você disse algo

"ah, você só fica ouvindo cat power"

e me lembrei do tempo

em que ouvi

cat power pela primeira vez

um clipe distópico

perdido no universo avesso

da tv por assinatura


cherokee


ontem irigaray voltou pro céu

num foguete espacial

pilotado por

um indígena

kura bakairi.


ontem eu voltei pra casa meia noite

de bicicleta


ontem todo mundo voltou

pra agora.


deveria ser uma

matemática simples

:

o chão que pisa

é sempre Terra

e portanto

toda terra é

Terra.


O planeta é sempre o chão que pisa.

e céu vai do infinito até

o mais tímido

milímetro antes do chão

saltar é tocar

o céu

esticando as mãos


maiúsculos deveriam ser as palavras

Gato, Cachorro, Árvore

eu não preciso ser este C

não quero me distinguir

de gente ou verbo

conjugado na primeira pessoa

do singular


poderia ser uma matemática simples

onde não viesse tudo

escrito

mas inscrito na sensação

será que é caio

ou caio

será

quem será marina

pra onde foi laranjeira

qual o canto

certo

qual o ponto


poderia ser uma matemática simples

se não fosse

o alfabeto

esta inútil

corsa

que carregamos

pra sempre.


sabe

um soco?


bem dado,

direto no queixo

virando pra esquerda

de se rodopiar e

cair

forte o suficiente para

derrubar,

mas não para desmaiar


um soco com a força

para que as órbitas dos olhos fiquem tontas

a máscara caindo em câmera lenta

o corpo gemendo


um soco bem dado

é como um beijo

vai te alimentando

e te respondendo

todas as perguntas


esse tal soco

vai doer por uma semana

e se você tiver sorte

um mês


vai deixar seu maxilar gemendo

vai te fazer tomar água na hora certa

vai te fazer querer olhar mais o céu

vai te fazer fazer


o soco

pra tirar os alfabetos da boca

um soco pra partir memórias

um soco que tenha a

maciez de um piano

e a doçura

do ferrão de

uma vespa


um soco

que faça o norte

mais sul

que te oriente

pra direção oposta

um soco

para que você

lembre que sangra


ai,

esse soco

se eu pudesse eu mesmo

me dava

mas não seria a mesma coisa

o soco é uma mão

e essa mão

tem motivos

enquanto isso

resguardo meu maxiliar

escrevendo essas letras

não para corações cansados

mas para corpos carentes

de marretadas.

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